Estilística da Língua Poerutguesa, de Rodrigues Lapa
O Valor Sentimental e Intelectual das Palavras em Rodrigues Lapa
”Em
presença das coisas, o nosso espírito reage da seguinte maneira: ou as percebe
ou as sente. Quase sempre estas duas operações, a percepção e o
sentimento andam ligadas, mas, por via de regra, em proporções diferentes.
Praticamente
há objectos que despertam masi a nossa inteligência, outros que chocam mais a
nossa sensibilidade. Assim também as palavras: umas têm uma dominante afectiva,
outras uma dominante intelectual. Vejamos um exemplo:
- O lavrador deixou a casa e encaminhou-se para o trabalho.
- Os filhos, cheios de fome, abandonaram a casa paterna.
Ligados por
um conceito comum, “a separação”, aqueles dois verbos deixar e abandonar
não têm o mesmo valor.
No primeiro
caso, a separação fez-se normalmente, sem sobressalto afectivo; tarefa de todos
os dias, feita a frio, mal iria ao lavrador se, de cada vez que deixava a casa,
se pusesse a chorar de saudade ou mágoa:
No segundo
caso, o verbo abandonar está já penetrado de sentimento,
tem uma sobrecarga afectiva que não tinha o outro: os filhos deixaram a casa
paterna com desespero, com dor e raiva.
Há pessoas –
os puristas da língua – que se erguem ainda hoje contra o emprego do verbo abandonar,
por ser um galicismo. É certo que o vocábulo nos veio do francês, mas
há séculos que é usado na língua, e corresponde, como acabámos de ver, a uma
necessidade de expressão. Deixar não significa o mesmo que abandonar.
É isto que os purista não vêem.
Logo, numa
série de sinónimos há palavras que exprimem sobretudo uma ideia, outras que
exprimem sobretudo um sentimento.
É tarefa
delicada, por vezes, a discriminação destes dois elementos; não raro, é até
impossível fazer essa distinção; mas esse esforço é indispensável a quem queira
escrever bem. (…)”
LAPA,
M. Rodrigues, Estilística da Língua Portuguesa.
Manuel
Rodrigues Lapa (Anadia, 22/4/1897 – Anadia, 28/3/1989)
Filólogo, escritor, ensaísta, crítico e investigador literário, jornalista – Director de O Diabo e Seara Nova -, professor catedrático.
Filólogo, escritor, ensaísta, crítico e investigador literário, jornalista – Director de O Diabo e Seara Nova -, professor catedrático.
Fonte consultada:https://lusografias.wordpress.com/2016/06/07/rodrigues-lapa-o-valor-sentimental-e-intelectual-das-palavras/
Postado por Ana Serrano, de Coimbra/Portugal.
Postado por Ana Serrano, de Coimbra/Portugal.